- Qual a sua fonte?
Prontamente, respondeu com inexplicável empáfia:
- Minha mãe. Ela viu na TV e me ligou para mandar
que eu me cuidasse!
As gargalhadas aumentaram.
Juro que nem sorri.
Não sei se a moça virou jornalista.
*
Finalizada a aula, passei pela sala dos professores,
onde entrei para ver se a TV noticiava algo que justificasse a moça tresloucada
e o burburinho esparso que percebera pelo campus. Algo acontecera. Encontrei um
grupo de professores boquiabertos diante da cena exibida à exaustão: um avião
comercial acertara em cheio uma das torres do World Trade Center. Acidente?
Atentado?
O segundo avião não deixou dúvida.
*
Dúvida.
Duvidar é humano. Duvidar é saudável.
Dito isto, é bom lembrar que o onze de setembro e o
que se seguiu a ele foi uma espécie de epidemia mundial de dúvida. Dúvida e
medo.
O interessante é que as dúvidas pairavam sobretudo
sobre o Estado norte-americano e o governo George W. Bush. Não raro, ouvíamos –
e, se não fizermos ouvidos moucos, ainda poderemos ouvir – que só ao Estado
norte-americano interessava aquele morticínio. Ou seja, por tabela, deduziam
que a ordem para jogar os aviões contra o WTC e o Pentágono saíra do coração do
governo, ou de forças ocultas operando em seu seio.
Por que as teorias conspirativas fazem tanto
sucesso?
Aqui no Brasil, entre as mais diferentes camadas da
população, o nível de descrédito do Estado e do governo (seja qual for) norte-americanos
é espantoso. Do mesmo modo, é surpreendente o descrédito da imprensa nacional em
geral e, especialmente, da Rede Globo e da marca Globo, independente de
manutenção de sua liderança entre as TVs abertas. Ainda que “duvidar seja
humano e saudável” e que os EUA, o jornalismo e a Globo tenham cometido seus deslizes
ao longo da história, impressiona o descrédito deles.
Não sei o tamanho do descrédito de um e outro. Sei
apenas que passa por vários nichos, esferas, camadas, grupos sociais. Isso
impressiona.
Se bem me lembro, na época da ditadura, o
americanismo e a credibilidade da Globo eram bem maiores.
*
Alguém se lembra da cara abobada do Bush após ser
abordado por um membro de seu staff naquele evento do qual participava em uma
escolinha no fatídico onze de setembro? Parecia muito com os colegas que
encontrei diante da TV, na sala de professores, assistindo boquiabertos a
destruição das torres. E minha cara não deve ter sido muito diferente. Se é que
o foi.
*
O onze de setembro deu no Ato Patriótico, aprovado
por republicanos e democratas, e no recrudescimento do investimento em
controle. O fantasma do terrorismo desafiava os norte-americanos a barganharem
as salvaguardas democráticas em prol da segurança. A maior vítima do terrorismo foi a liberdade,
que se tornou refém do medo.
*
É emblemático que aqui no Brasil as principais
dúvidas acerca da operação norte-americana anunciada como responsável pela
morte de Bin Laden girem em torno de sua veracidade ou não. Bin Laden não
morreu? Foi morto pelos seals ou por
seus próprios guarda-costas? Bin Laden já morrera por doença e Obama só
aproveitou a oportunidade para elevar seu índice de aprovação interno? A Al
Qaeda entrou na onda porque a ela interessa usar a notícia da execução de Osama
pelos EUA para mobilizar simpatizantes?
Também considero muito peculiar que tanta gente por
aqui ache estranho a possibilidade de Obama ter ordenado a execução de Bin
Laden. Ele disse publicamente que mataria Bin Laden e destruiria a Al Qaeda.
Por que não o levaram a sério? Nem tudo o que os políticos dizem é pura
retórica.
Típico mesmo é que a última coisa posta em questão
por aqui tenha sido a legalidade da possível operação de caça e execução.
Questionar a legalidade não significa questionar o duro combate ao terrorismo,
muito menos justificar ou defender o terrorismo e suas ações.
Voltando à legalidade da operação Gerônimo (que
nome infeliz!), parece que há brechas no direito internacional que permitiriam desculpar
a ação norte-americana. É o que ecoa por aí. O problema é quando as coisas
passam a funcionar repetidamente através de brechas.
Executar parece mais fácil que julgar e apenar,
mesmo que a pena possa ser a morte. Por quê? Por que a recusa a um julgamento
legal? Tal julgamento não poderia, inclusive, ter sido conduzido anteriormente?
Por que não um julgamento à revelia? Que a Al Qaeda indicasse seus advogados! E
se não o fizesse, o que me parece bastante lógico, que se procedesse pela letra
da lei.
*
Alguns argumentam que situações excepcionais exigem
medidas excepcionais.
Para muitos, seria impossível julgar “justamente”
Osama em um tribunal internacional ou mesmo nos EUA. As alegações giram em
torno das dificuldades de construção das provas em um caso envolvendo uma
organização com a estrutura da Al Qaeda etc..
Situações excepcionais, medidas de exceção... Qual
o efeito para além da agradável sensação de vingança cumprida?
A política deve se reduzir à vingança?
Basta o gozo da vingança?
*
Quando eu era criança, “terrorismo” significava
algo bem diferente do que significa hoje. Era um xingamento, como continua
sendo. Nisso, pouco mudou. Mas, na maior parte dos casos, antigamente, os
atentados terroristas visavam pessoas específicas, em geral, políticos,
empresários. Salvo alguns poucos casos, não visavam coletividades, multidões. O
terrorismo daqueles tempos seria melhor definido hoje como assassinato
político.
Agora a coisa é bem diversa. Os atentados
terroristas são espetáculos de morte, muitas mortes. Aqueles que os praticam
professam algum tipo de fundamentalismo, mormente, fundamentalismo religioso.
Os atentados constituem grandes espetáculos de sacrifício de infiéis. Não se
trata propriamente de guerra - nem convencional, nem de guerrilha. Será que se
parece com as guerras santas de outras eras? Hoje, no limite, o alvo é todo e
qualquer infiel. No limite. Na prática, ou melhor, historicamente, tem sido um
pouco diferente.
Fundamentalistas norte-americanos atacam seus
compatriotas.
Fundamentalistas islâmicos vêm atacando a população
civil (e quem mais estiver por perto) de países cujos governos têm implementado
ações de intervenção militar em solo estrangeiro, solo onde todos esses atores
mantêm interesses. Se o intervencionismo norte-americano, inglês etc. é, por
definição, claro, permanece sob um pesado véu “de consciência” o fato dessas
organizações terroristas de corte religioso operarem em uma perspectiva
transnacional. Não se trata do “Afeganistão para os Afegãos” ou seja lá qual
for o “país” em tela. O “projeto” é um só, a construção – a ferro e fogo – de
um grande Islã, não qualquer Islã, mas aquele onde minorias fundamentalistas
sejam os senhores. Ou não?
A explosão dos nacionalismos pós-Muro dos anos 90
foi empalidecida pela “guerra de civilizações” contemporânea?
Bin Laden foi um saudita, de raízes iemenitas, que
lutou financiado pelos EUA, junto a tantos outros grupelhos político-religiosos
islâmicos, chefes tribais etc., contra a invasão do Afeganistão pela finada
União Soviética. Bin Laden foi um subproduto da extinta Guerra Fria. É neste sentido que dizer que ele foi
fabricado pelos EUA não é um erro, muito pelo contrário.
A cartografia definida pela e na Guerra Fria
desarticulou-se, desmanchou.
Vem sendo substituída por um estranho desenho onde
se tenta representar uma espécie de guerra de civilizações: Oriente X Ocidente;
Muçulmanos X Cristãos (e “infiéis” em geral)... Será isso mesmo?
Aos atores engajados em espetaculosos conflitos que
vêm marcando o século XXI parece interessar esse verniz de grandiosidade.
Mártires, guerreiros, santos, super-homens!
*
Os atores da novíssima cena são entidades de
estaturas diversas. Estados e grupelhos que atuam globalmente com uma
desenvoltura espantosa. Nada parecido com os blocos de países, partidos e
organizações político-militares que se aglutinaram nas órbitas dos grandes
estados vencedores da Segunda Guerra Mundial definindo os contornos da Guerra
Fria.
Qual o novo cenário? Qual o lugar de cada
ator?
*
Por falar em lugar...
O único lugar certo é o corpo, onde a gente vive e
morre.
Os reféns desse estranho conflito que visa grandes
audiências são os cidadãos comuns, a população civil regredida à categoria de quase
servos protegidos e sujeitados aos senhores da guerra.
Mas qual guerra?
Quem se alimenta dessa “guerra” afinal?
É possível desmontá-la?
*
Recomendo:
ESPECIAIS GLOBONEWS - 10 ANOS DO ONZE DE SETEMBRO
http://blog48horas.blogspot.com/2011/08/globo-news-faz-cobertura-especial-do-11.html
E não percam as reprises!
*
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2 comentários:
Bel,
Essa estultícia que você conta da sua aluna é a tônica hoje. Hoje mais que em outras épocas, em função da imensa disponibilidade de meios de comunicação, que eliminam qualquer possibilidade de "desinformação acidental".
Na segunda, 12/9, ouvi no ônibus cheio, mas não consegui ver quem falava, o seguinte comentário que exemplifica bem o "samba-do-crioulo-doido" que campeia solto:
"- Você viu que ontem fez 10 anos que o Obama explodiu as torres do Play Center?"
Caro Sérgio!
Esse tipo de coisa dá uma sensação de desamparo!
Abç!
Isabel G.
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