quinta-feira, 15 de setembro de 2011

NOTAS SOBRE O SÉCULO XXI - onze de setembro de 2001

No dia onze de setembro de 2001, estava em classe com uma turma de jornalismo de segundo período - cinquenta alunos ou mais - acabando uma aula de história da comunicação, quando uma estudante se levantou lá no fundo da sala, agitando um celular na mão, e me interrompeu aos berros dizendo que Nova Iorque acabara de ser bombardeada. Segundo a moça descabelada de olhos esbugalhados e com pelo menos vinte e cinco anos de estrada, o Iraque invadira os EUA. Quase imediatamente, repliquei que o que ela dizia não fazia o menor sentido, que era praticamente impossível que o Iraque invadisse os EUA, mesmo que o Saddam Hussein e todo o primeiro escalão do governo iraquiano tivessem pirado. Perguntei se ela fazia idéia de onde ficava o Iraque. Ela não respondeu. Percebi um esgar de ira em seu rosto. A confusão se instalou. Todos estavam excitadíssimos, frenéticos. Vários gargalhavam – não sei se por incredulidade, gozo ou ambos. Como se tratava de uma turma de jornalismo, indaguei à jovem:

- Qual a sua fonte?

Prontamente, respondeu com inexplicável empáfia:

- Minha mãe. Ela viu na TV e me ligou para mandar que eu me cuidasse!

As gargalhadas aumentaram.

Juro que nem sorri.

Não sei se a moça virou jornalista.

*

Finalizada a aula, passei pela sala dos professores, onde entrei para ver se a TV noticiava algo que justificasse a moça tresloucada e o burburinho esparso que percebera pelo campus. Algo acontecera. Encontrei um grupo de professores boquiabertos diante da cena exibida à exaustão: um avião comercial acertara em cheio uma das torres do World Trade Center. Acidente? Atentado?

O segundo avião não deixou dúvida.

*

Dúvida.

Duvidar é humano. Duvidar é saudável.

Dito isto, é bom lembrar que o onze de setembro e o que se seguiu a ele foi uma espécie de epidemia mundial de dúvida. Dúvida e medo.

O interessante é que as dúvidas pairavam sobretudo sobre o Estado norte-americano e o governo George W. Bush. Não raro, ouvíamos – e, se não fizermos ouvidos moucos, ainda poderemos ouvir – que só ao Estado norte-americano interessava aquele morticínio. Ou seja, por tabela, deduziam que a ordem para jogar os aviões contra o WTC e o Pentágono saíra do coração do governo, ou de forças ocultas operando em seu seio.

Por que as teorias conspirativas fazem tanto sucesso?

Aqui no Brasil, entre as mais diferentes camadas da população, o nível de descrédito do Estado e do governo (seja qual for) norte-americanos é espantoso. Do mesmo modo, é surpreendente o descrédito da imprensa nacional em geral e, especialmente, da Rede Globo e da marca Globo, independente de manutenção de sua liderança entre as TVs abertas. Ainda que “duvidar seja humano e saudável” e que os EUA, o jornalismo e a Globo tenham cometido seus deslizes ao longo da história, impressiona o descrédito deles.

Não sei o tamanho do descrédito de um e outro. Sei apenas que passa por vários nichos, esferas, camadas, grupos sociais. Isso impressiona.

Se bem me lembro, na época da ditadura, o americanismo e a credibilidade da Globo eram bem maiores.

*

Alguém se lembra da cara abobada do Bush após ser abordado por um membro de seu staff naquele evento do qual participava em uma escolinha no fatídico onze de setembro? Parecia muito com os colegas que encontrei diante da TV, na sala de professores, assistindo boquiabertos a destruição das torres. E minha cara não deve ter sido muito diferente. Se é que o foi.

*

O onze de setembro deu no Ato Patriótico, aprovado por republicanos e democratas, e no recrudescimento do investimento em controle. O fantasma do terrorismo desafiava os norte-americanos a barganharem as salvaguardas democráticas em prol da segurança.  A maior vítima do terrorismo foi a liberdade, que se tornou refém do medo.

*

É emblemático que aqui no Brasil as principais dúvidas acerca da operação norte-americana anunciada como responsável pela morte de Bin Laden girem em torno de sua veracidade ou não. Bin Laden não morreu? Foi morto pelos seals ou por seus próprios guarda-costas? Bin Laden já morrera por doença e Obama só aproveitou a oportunidade para elevar seu índice de aprovação interno? A Al Qaeda entrou na onda porque a ela interessa usar a notícia da execução de Osama pelos EUA para mobilizar simpatizantes?

Também considero muito peculiar que tanta gente por aqui ache estranho a possibilidade de Obama ter ordenado a execução de Bin Laden. Ele disse publicamente que mataria Bin Laden e destruiria a Al Qaeda. Por que não o levaram a sério? Nem tudo o que os políticos dizem é pura retórica.

Típico mesmo é que a última coisa posta em questão por aqui tenha sido a legalidade da possível operação de caça e execução. Questionar a legalidade não significa questionar o duro combate ao terrorismo, muito menos justificar ou defender o terrorismo e suas ações.

Voltando à legalidade da operação Gerônimo (que nome infeliz!), parece que há brechas no direito internacional que permitiriam desculpar a ação norte-americana. É o que ecoa por aí. O problema é quando as coisas passam a funcionar repetidamente através de brechas.

Executar parece mais fácil que julgar e apenar, mesmo que a pena possa ser a morte. Por quê? Por que a recusa a um julgamento legal? Tal julgamento não poderia, inclusive, ter sido conduzido anteriormente? Por que não um julgamento à revelia? Que a Al Qaeda indicasse seus advogados! E se não o fizesse, o que me parece bastante lógico, que se procedesse pela letra da lei. 

*

Alguns argumentam que situações excepcionais exigem medidas excepcionais.

Para muitos, seria impossível julgar “justamente” Osama em um tribunal internacional ou mesmo nos EUA. As alegações giram em torno das dificuldades de construção das provas em um caso envolvendo uma organização com a estrutura da Al Qaeda etc..

Situações excepcionais, medidas de exceção... Qual o efeito para além da agradável sensação de vingança cumprida?

A política deve se reduzir à vingança?

Basta o gozo da vingança?

*

Quando eu era criança, “terrorismo” significava algo bem diferente do que significa hoje. Era um xingamento, como continua sendo. Nisso, pouco mudou. Mas, na maior parte dos casos, antigamente, os atentados terroristas visavam pessoas específicas, em geral, políticos, empresários. Salvo alguns poucos casos, não visavam coletividades, multidões. O terrorismo daqueles tempos seria melhor definido hoje como assassinato político.

Agora a coisa é bem diversa. Os atentados terroristas são espetáculos de morte, muitas mortes. Aqueles que os praticam professam algum tipo de fundamentalismo, mormente, fundamentalismo religioso. Os atentados constituem grandes espetáculos de sacrifício de infiéis. Não se trata propriamente de guerra - nem convencional, nem de guerrilha. Será que se parece com as guerras santas de outras eras? Hoje, no limite, o alvo é todo e qualquer infiel. No limite. Na prática, ou melhor, historicamente, tem sido um pouco diferente.

Fundamentalistas norte-americanos atacam seus compatriotas.

Fundamentalistas islâmicos vêm atacando a população civil (e quem mais estiver por perto) de países cujos governos têm implementado ações de intervenção militar em solo estrangeiro, solo onde todos esses atores mantêm interesses. Se o intervencionismo norte-americano, inglês etc. é, por definição, claro, permanece sob um pesado véu “de consciência” o fato dessas organizações terroristas de corte religioso operarem em uma perspectiva transnacional. Não se trata do “Afeganistão para os Afegãos” ou seja lá qual for o “país” em tela. O “projeto” é um só, a construção – a ferro e fogo – de um grande Islã, não qualquer Islã, mas aquele onde minorias fundamentalistas sejam os senhores. Ou não?

A explosão dos nacionalismos pós-Muro dos anos 90 foi empalidecida pela “guerra de civilizações” contemporânea?

Bin Laden foi um saudita, de raízes iemenitas, que lutou financiado pelos EUA, junto a tantos outros grupelhos político-religiosos islâmicos, chefes tribais etc., contra a invasão do Afeganistão pela finada União Soviética. Bin Laden foi um subproduto da extinta Guerra Fria.  É neste sentido que dizer que ele foi fabricado pelos EUA não é um erro, muito pelo contrário.

A cartografia definida pela e na Guerra Fria desarticulou-se, desmanchou.

Vem sendo substituída por um estranho desenho onde se tenta representar uma espécie de guerra de civilizações: Oriente X Ocidente; Muçulmanos X Cristãos (e “infiéis” em geral)... Será isso mesmo?

Aos atores engajados em espetaculosos conflitos que vêm marcando o século XXI parece interessar esse verniz de grandiosidade. Mártires, guerreiros, santos, super-homens!

*

Os atores da novíssima cena são entidades de estaturas diversas. Estados e grupelhos que atuam globalmente com uma desenvoltura espantosa. Nada parecido com os blocos de países, partidos e organizações político-militares que se aglutinaram nas órbitas dos grandes estados vencedores da Segunda Guerra Mundial definindo os contornos da Guerra Fria.

Qual o novo cenário? Qual o lugar de cada ator? 

*

Por falar em lugar...

O único lugar certo é o corpo, onde a gente vive e morre.

Os reféns desse estranho conflito que visa grandes audiências são os cidadãos comuns, a população civil regredida à categoria de quase servos protegidos e sujeitados aos senhores da guerra.

Mas qual guerra?

Quem se alimenta dessa “guerra” afinal?

É possível desmontá-la?

*

Recomendo:
ESPECIAIS GLOBONEWS - 10 ANOS DO ONZE DE SETEMBRO
http://blog48horas.blogspot.com/2011/08/globo-news-faz-cobertura-especial-do-11.html
E não percam as reprises!




2 comentários:

Sergio Gouveia disse...

Bel,
Essa estultícia que você conta da sua aluna é a tônica hoje. Hoje mais que em outras épocas, em função da imensa disponibilidade de meios de comunicação, que eliminam qualquer possibilidade de "desinformação acidental".
Na segunda, 12/9, ouvi no ônibus cheio, mas não consegui ver quem falava, o seguinte comentário que exemplifica bem o "samba-do-crioulo-doido" que campeia solto:
"- Você viu que ontem fez 10 anos que o Obama explodiu as torres do Play Center?"

Isabel Guimarães disse...

Caro Sérgio!
Esse tipo de coisa dá uma sensação de desamparo!

Abç!
Isabel G.