Em uma manhã no hortomercado,
próximo à banca de pães, uma senhora passada dos setenta anos, observando o
funcionário que se afastava com uma grande cesta vazia de pães, interpelou um
senhor na mesma faixa etária lamentando a ausência de pães frescos. O homem
rapidamente a corrigiu mostrando com um gesto largo duas cestas transbordando
uma nova fornada. A mulher se aproximou e, ao perceber que estava diante de
baguetes e pães franceses integrais, prorrompeu em impropérios dirigidos ao
alimento:
- Essa gororoba eu não como! Isso
é uma porcaria! Integral! Boa droga!
Indignado, o homem acorreu em
defesa dos grãos integrais retrucando veemente:
- Minha senhora, estes é que são
bons! Têm mais fibras - contribuem para uma melhor digestão. O outro só
engorda! A senhora não sabe?
E olhou para o abdome dela
procurando a comprovação de sua sentença. Decepcionado com o resultado da
investigação, ofegou.
Animada, ela não se deteve:
- Isso tudo é bobagem! Enrolação!
O homem tremeu! Sua cara ficou
mais vermelha que os tomatinhos-cerejas que estavam em promoção. Parou
bruscamente de colocar pães no saquinho que segurava. Olhou para mim com olhos
súplices, como quem buscasse uma bóia em meio ao naufrágio. Sorri e completei
meu pacote de baguetes integrais enquanto aguardava o desfecho que não tardou a
vir:
- Minha senhora, os médicos, os
nutricionistas, os doutores todos afirmam que o integral é melhor. Quem a senhora
acha que é para questioná-los?
Saí correndo antes que soltasse
uma gargalhada e apanhasse de alguém.
Um mês depois, na fila do caixa,
um homem “esportivo” – visivelmente adepto de atividades físicas regulares,
vestido com calção, camiseta e tênis de corrida – contando uns trinta anos aguardava
com seu carrinho repleto de frutas, legumes, granola e iogurte light. Na frente
dele, uma franzina quarentona atulhava seu carrinho com caixas e
mais caixas de sucos industrializados. Ele a observava com indignação
messiânica:
- Você deveria levar frutas ou
suco fresco ao invés dessas caixas! Isso tem muita química! E açúcar também! As
fibras e as vitaminas que sobraram são uma ninharia...
A mulher virou-se para ele, olhou-o
nos olhos, fez um esgar tão feroz que recuei meu carrinho e, então, rosnou:
- Eu trabalho! Sou muito ocupada!
Não tenho quem me faça suquinho!
Para a sorte dele, o caixa a
chamou. O infeliz ficou com cara de cão sem dono. Um cachorrão de metro e
noventa chutado e batido por uma figurinha de metro e meio. Ui!
Lembrei que quando eu tinha uns
quinze anos enchia a paciência de meus pais com relação ao quesito alimentação.
Não sei como eles me aguentavam. Acho que desligavam os ouvidos. Eu fazia
questão absoluta de acompanhá-los às compras de mês. Eles tentavam escapar sem
que eu percebesse. Mas eu era tinhosa. E lá íamos nós! Não havia problema
quanto ao caráter da minha alimentação natureba de então. O que eu queria era
providenciado. Às vezes, meu pai me lembrava das vitaminas lipossolúveis e da
necessária ingestão de gorduras. Duro mesmo era minha pronta declamação de
todas as desvantagens, prejuízos, toxinas e desgraças dos itens que eles
escolhiam para eles assim que eram colocados no carrinho. Eu parecia um bispo
pentecostal expurgando demônios de seu rebanho. Impressionava! O público os
encarava com dó!
É muito interessante essa
característica tão humana de querer salvar seu próximo a qualquer preço! E o
que dizer dessa certeza tão certa, tão cristalizada, tão aparentemente desprovida
de dúvida de que o mundo deveria nos tomar como exemplo, como modelo? Se
estamos tão certos de nossas certezas e escolhas, por que nos incomodamos tanto
com os “erros” alheios? Esquisito, né?
Um comentário:
Isabel, gostei muito desse post. Lembrei do tempo que eu morava em Laranjeiras, na Rua das Laranjeiras tinha um supermercado, com esses personagens aí..
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