sábado, 3 de abril de 2010

Fantasia sobre Cecília

Cecília, moça recatada, guardou seus amores.
Não creio que ela tenha guardado todos. Certamente, não guardou todo o seu amor. Até porque talvez seja verdade o que alguém já disse: que amar é verbo intransitivo.
No tempo de Cecília e do poeta do verbo intransitivo, grandes poetas andavam pelas ruas, iam à padaria comprar pão e leite. Pelo menos, gosto de imaginar assim. Era um tempo de grandes poetas. Quando eu nasci, grandes poetas, cronistas e escritores andavam pelas ruas, escreviam para o suplemento literário e assinavam manifestos. Eventualmente, um ou outro ia preso ou prestava depoimento.
Imagine Cecília, fina e elegante, prestando depoimento sobre seu amor por Filipe dos Santos.
Tolice da menina que já não sou imaginar essas bobagens.
O que não me sai da cabeça é a grandeza.
Não se deixe levar pela maledicência! Não se iluda! Lembrar da grandeza de poetas, escritores, intelectuais nada tem a ver com megalomania ou nostalgia idiota. Tem mais a ver com curiosidade sobre o que nos faz “deste tempo”, deste de agora.
Aliás, uma boa questão é a do tempo a que pertencemos. Eu pertenço a um tempo? Alguém pertence a um tempo? Quando eu tiro o volume verde da obra poética de Cecília da prateleira no meio da estante branca e leio:

“Pois parecia loucura,
Mas era mesmo verdade.
Quem pode ser verdadeiro,
Sem que desagrade?

Por aqui passava um homem...
- e como o povo se ria! –
No entanto, à sua passagem,
Tudo era como alegria.

Mas ninguém mais se está rindo
Pois talvez ainda aconteça
Que ele por aqui não volte,
Ou que volte sem cabeça...”

me pergunto – a que tempo pertence Cecília?
Cecília pertence a um tempo?

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