Chovia muito e Bárbara estava eufórica. Chorava e gargalhava em arroubos alternados. A rua estava vazia e, protegida sob a larga marquise do velho prédio comercial no Centro, ninguém percebia seu estado. Uma cortina de grossos pingos e névoa úmida a protegia de improváveis olhares dos raros passantes que corriam fugindo do temporal.
Tinha sacado a metade da conta conjunta que mantinha com a companheira, a metade dos investimentos que passara para a conta na noite anterior e a metade da poupança. Não era uma fortuna, mas também não era de pouca monta. Sacou, abriu uma nova conta em seu nome e depositou o dinheiro.Finalmente tomara coragem de decidir. Nem sabia bem como isso se deu - a decisão. Mais que decisão. Era um saber o que queria... ou desejava. Um saber.
A filha avisou que dormiria na casa do namorado. Foi como uma senha. A conversa, o anúncio, o adeus seria hoje. Nesse dia de chuva forte.
Os minutos se acumulavam: 10... 30... 50... A chuva não arrefecia e Bárbara - a roupa encharcada, apesar da marquise - começou a sentir frio. Já passava das dezoito horas e previa a possibilidade de alagamento pelo caminho. Tentou acenar para os raros táxis, mas todos passavam cheios. A bateria do celular estava por um fio. Enviou uma mensagem para Jurema: "Tentando um transporte. Bateria fraca."
A mensagem anterior, às dezesseis horas, fora: "Precisamos conversar. Não agende nada para hoje."
De algum modo, ainda gostava de Jurema e acreditava que ela merecia consideração.
Não havia uma briga, um incidente, uma "gota d'água que faltava". Não se tratava disso.
Lavou o rosto na chuva decidindo ir até à estação de metrô mais próxima. Foi caminhando como podia, rente às paredes, portas, vitrines, tentando escapar das poças maiores que cresciam exponencialmente minuto a minuto. Precisava ser rápida para conseguir chegar à estação antes que o entorno alagasse. Faltava pouco.
Relâmpagos acendiam o céu turvo. Os estrondos soavam dentro dos humanos que ousavam tentar ir para casa. Faltava pouco.
Atravessou a Rio Branco com passo firme.
Próximo à entrada para a estação, uma mãe e seu bebê ensopados atravessaram seu caminho. Tentou desviar. Escorregou caindo direto numa poça em torno de um poste metálico. Tombou após um ligeiro tremor provocado por um choque elétrico potente. A cara enfiada na água.
Alguns raros transeuntes pararam perto. Sem ousar pisar na poça. Sem ousar tocá-la. Um homem gritou pedindo ajuda enquanto mais um trovão ensurdecia a cidade.

2 comentários:
Minha autora favorita.
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